terça-feira, maio 05, 2009

Caixinha de filmes

Tinha uma caixinha de madeira. Não media mais do que dez centímetros. Quadradinha. Decorada com pequenas pedras coloridas. Havia adquirido aquele objeto numa loja de quinquilharias. A loja tinha utensílios antigos, móveis usados, enciclopédias ultrapassadas. Viu a caixinha no canto, sobre uma escrivaninha. Certamente, gostou da escrivaninha. Uma peça conservada, era mesmo bonita. Preço amargo, resolveu levar só a caixinha. Colocou-a num canto da estante, meio que para segurar a pilha de livros.
Objeto sem utilidade não tem razão de ser.
Resolveu, dias depois, guardar dentro da caixinha um bilhete de cinema. Havia gostado do filme. Quis guardar o bilhete.
O objeto passou a ter utilidade: guardava bilhetes de cinema.
Costumava ir ao cinema sozinha. Sexta-feira à noite, domingo à tarde.
Já devia ter quatro ou cinco bilhetes acumulados, quando chegou tarde da noite, sessão das onze, foi guardar o novo ticket na caixinha. Olhou para cada um daqueles ali reunidos. Um chamou-lhe a atenção. Não se lembrava da história. O nome lhe parecia alheio. Estranha sensação. Não sabia de que se tratava aquele filme. Bilhete de cinema. Não encontrou a data nem o horário, estavam ligeiramente apagados. Procurou o filme na lista de cinemas da internet. Encontrou o título numa sala distante do trabalho, distante de casa. Leu a sinopse. Nenhuma imagem lhe vinha à mente. Pensou em ver o filme de novo. Se guardou o bilhete, é porque gostou do filme.
No dia seguinte, almoçou na padaria perto do metrô e foi para o cinema. Comprou o bilhete. Olhou bem para ele. Não conseguiu puxar da lembrança nenhuma relação com aquele outro, guardado em casa dentro da caixinha.
Ao sair do filme, ainda muito emocionada, deu-se conta de que aquele seria, sem dúvida, um dos melhores filmes que havia visto nos últimos tempos. Mas decididamente não havia visto nada parecido antes.
Guardou o bilhete junto do outro, na mesma caixinha.
Não quis pensar no improvável.
Noutra semana, sensação esquisita. Vontade ver um bom filme. Abriu a caixinha para relembrar aquele outro. Tão bonito. Improvável. Viu outro ticket que desconhecia. Não teve dúvidas. Procurou na internet. Dessa vez, viu apenas o endereço da sala, nada de sinopse.
Guardado o novo ticket, pensou que esse havia lhe tocado de alguma forma e tomado seus pensamentos, mas não era o tipo de filme que costumava ver. Linguagem incomodou. Narrativa incomodou. Era um bom filme, não podia negar. Mas incomodava um bocado.
Passou a ansiar pela indicação da caixinha. Olhava com frequência, quase todo dia. Mas assim não funcionava. Tinha de ser surpresa. A caixinha era geniosa.
Aconteceu outras vezes, sim. Tempo depois. Guardou o bilhete com carinho.
Outras e outras vezes.
A caixinha virou companhia de cinema. Como se discutissem juntas as novas produções, os melhores atores, os temas. Começou até a fazer um fichamento dos filmes que as duas, ela e a caixinha, gostavam.
Pensa em publicação. Mas não sabe como contará sobre as indicações na orelha do livro. Acha que é deselegante ficar com toda a fama, com todo o mérito. Não há mérito. A caixinha tem de aparecer de alguma forma. Quem sabe no título do livro? Foto de capa. Mensagem subliminar. Seria um bom livro. Sucesso, sem dúvida.

3 comentários:

Sereno disse...

Perigoso aqui. Outro dia volto para examinar melhor a escritora...

Ontem_vem_chegando disse...

Tá bonito aqui. Sensação gostosa de que será divertido acompanhar seus escritos.

Socorro disse...

Eu vi um vídeo sobre anacondas. Porque você não tira um coelho da cartola e escreve sobre anacondas? Talento vc tem, sem dúvida vc tem talento.