Pelos. Um tuchinho embolado veio em minha direção. O cachorro chacoalhava-se todo, empurrando pelos e pulgas para o meu lado. Era escuro, não demonstrava a sujeira da rua. Parecia inofensivo, apesar do tamanho médio. Terminado o ritual, sentou-se ereto e olhou para mim, com a boca aberta e a língua de fora, cansado do exercício. Olhou. Desviei. Senti-me invadindo seu espaço, seu momento de concentração e coceira. Era deselegante observá-lo naquele estado, todo contorcido e reclamando das pulgas. Pensei que ele também havia sido deselegante fazendo voar pelos pra cima de mim. Onde mais eu poderia ficar? Era ponto de ônibus, tinha de pegar o primeiro que passasse. Não passava. Olhando. Veio esmorecido em minha direção. Sentou-se ao meu lado. Esperava ônibus também. Cheirou a sacola de pães que eu trazia. Era abusado. Com o nariz, empurrou a sacola. Agora fazia cara de criança com vontade de tomar o seu sorvete. Nunca gostei de andar com doces na mão por isso. Dividir com criança na rua. Tirei um pedaço de pão da sacola. Dei ao cachorro. Engoliu de uma só vez. Quis mais. Estava pronta para lutar com ele, a qualquer momento me tomaria a sacola e a bolsa e sairia em disparada. Conheço esse tipo. Tirei um pedaço do pão doce. Era para esperar a minha mãe, estava chegando de viagem, eu iria fazer um café como ela faz no interior. Precisava provar pra ela que eu cuidava bem da casa e que fazia um belo café da tarde. Ainda que comprado na padaria. O cachorro comeu metade do pão doce. Dei-lhe duas fatias de queijo. O ônibus está atrasado. Se ele entrar, eu saio. Resolveu cheirar o meio-fio da calçada. Qualquer punhado de água cheirava e tentava lamber. Imaginei que pudesse ser outro líquido, tinha gente de rua por todo lado naquela região. Ele estava com sede. O pão devia estar bem doce. Deixei o coitado com sede. Eu não costumava andar com ração na bolsa nem na sacola! Ele me despertava alguma sensação de culpa. E isso me dava raiva dele. Eu estava só esperando o ônibus, não queria vê-lo se coçar, nem ter notado sua cara de fome. Eu só queria que o ônibus passasse. Ele não subiu. Enquanto pagava a passagem, ainda o vi na calçada. Agora em pé. Abanava o rabo pra mim. Era pra mim. Fiz um tchau. Ele latiu na despedida. Sentei no primeiro banco disponível, talvez o único. Chamei-o Pão Doce. Da próxima vez, trago-o comigo.
sábado, maio 02, 2009
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Um comentário:
Bi, lindo texto. Seu estilo está cada vez mais delineado para mim e eu gosto muito do que leio. Realmente bom poder compartilhar essa maldição com alguém. Gabis
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