sexta-feira, maio 01, 2009

Golpe

Sabe quando você sai do seu prédio e aquele vento corta a calçada bagunçando de uma vez por todas seu cabelo? Pois bem. Foi assim que aconteceu. Nesse vento havia algumas gotinhas de chuva. Vento úmido de outono. Havia escutado na rádio – costumo me aprontar de manhã ouvindo a rádio de notícias – o tempo estava frio lá fora. Mas é sempre assim. Amanhece frio. Como se até o sol tivesse preguiça de me acompanhar para o trabalho. E ele tem razão. Eu também não queria me acompanhar para o trabalho. Não posso me dissociar de mim, tenho de ir junto, todas as manhãs. Mas o frio é só de manhã. O calor aparece pela hora do almoço. Volta a esfriar à noite. Enfim. Saí do meu prédio e tomei aquele vento úmido de chapa. Quase vacilei, não esperava por aquele golpe. Deve ser isso, golpe de vento. Há um poema que cita essa expressão. Mas não estava pensando em tapa na cara, como eu levei. Era apenas um vento forte. Até onde eu entendi o poema. Este caminho é seguro. Isso me deixa muitíssimo incomodada. Esse excesso de segurança. Lembro mais uma vez de um poema. Outro poema. Não tinha vento no poema. Mas lembro bem. Falava de caminhos. O outono espera que eu lhe devolva o golpe. Poderia dar-lhe um jab de esquerda, surpreendê-lo. Ele sabe que faço isso quando me dá na telha. Ele está esperando o troco daquele golpe. O problema é que senti um cansaço enorme nos braços, vacilei uns dois passos e voltei ao caminho do trabalho. Se quiser que me siga. A gente conversa no próximo quarteirão. Vou tomar café na rua hoje.

Um comentário:

Sereno? disse...

Não tinha vento no poema. Mas lembro bem. Falava de caminhos. Falava de caminhos...aqui no sertão não costumamos muito encontrar o caminho das flores, nem das dores, pois nossa pele curtida de sol e lua encontra sinestesicamente as pedras. E não tinha uma pedra no meio do caminho...havia um rochedo que explodiu sob o impacto feroz de um cometa camicase. Meus olhos apertados arregalaram-se de espanto: era a luz que vc trazia na noite escura que paira e faz morada na mente dos sobreviventes. Falava de caminhos, de uma dança louca e cortes profundos: eu não sabia mais para onde ir, aquela língua bifurcada, bifurcando veredas nos sertões do Brasil. E diante de tua luz, amei pq vivo no litoral. E o poema continua, nuances e lendas e rochas, e fendas...Bianca.